Estamos na reta final- ediçao do curta texto literário- muita força aos grupos.
Haicais
Guilherme de Almeida
ConsoloA noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou.
Os andaimes
Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.
Pescaria
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
Romance
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
O haicai
Lava, escorre, agita
a areia. E enfim, na bateia,
fica uma pepita.
Eu, etiquetaEm minha calça está grudado um nomeQue não é meu de batismo ou de cartórioUm nome... estranhoMeu blusão traz lembrete de bebidaQue jamais pus na boca, nessa vida,Em minha camiseta, a marca de cigarroQue não fumo, até hoje não fumei.Minhas meias falam de produtosQue nunca experimenteiMas são comunicados a meus pés.Meu tênis é proclama coloridoDe alguma coisa não provadaPor este provador de longa idade.Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,Minha gravata e cinto e escova e pente,Meu copo, minha xícara,Minha toalha de banho e sabonete,Meu isso, meu aquilo.Desde a cabeça ao bico dos sapatos,São mensagens,Letras falantes,Gritos visuais,Ordens de uso, abuso, reincidências.Costume, hábito, premência,Indispensabilidade,E fazem de mim homem-anúncio itinerante,Escravo da matéria anunciada.Estou, estou na moda.É duro andar na moda, ainda que a modaSeja negar minha identidade,Trocá-lo por mil, açambarcandoTodas as marcas registradas,Todos os logotipos do mercado.Com que inocência demito-me de serEu que antes era e me sabiaTão diverso de outros, tão mim mesmo,Ser pensante sentinte e solitárioCom outros seres diversos e conscientesDe sua humana, invencível condição.Agora sou anúncioOra vulgar ora bizarro.Em língua nacional ou em qualquer língua(Qualquer, principalmente.)E nisto me comprazo, tiro glóriaDe minha anulação.Não sou - vê lá - anúncio contratado.Eu é que mimosamente pagoPara anunciar, para venderEm bares festas praias pérgulas piscinas,E bem à vista exibo esta etiquetaGlobal no corpo que desisteDe ser veste e sandália de uma essênciaTão viva, independente,Que moda ou suborno algum a compromete.Onde terei jogado forameu gosto e capacidade de escolher,Minhas idiossincrasias tão pessoais,Tão minhas que no rosto se espelhavamE cada gesto, cada olhar,Cada vinco da roupaSou gravado de forma universal,Saio da estamparia, não de casa,Da vitrine me tiram, recolocam,Objeto pulsante mas objetoQue se oferece como signo de outrosObjetos estáticos, tarifados.Por me ostentar assim, tão orgulhosoDe ser não eu, mar artigo industrial,Peço que meu nome retifiquem.Já não me convém o título de homem.Meu nome noco é Coisa.Eu sou a Coisa, coisamente.(Carlos Drummond de Andrade)
Se quiserem mais opçoes de Haicais, visitem sites que tenham haicais de Paulo Leminsky.
Um abraço e boa sorte a todos!